Por: Correio do Estado/Redação
João Vitor, de 26 anos, e a mãe, a faxineira Meire Santos, comemoram a conquista da vaga no curso mais disputado da UFMS. (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)
Com 26 anos completados no último dia 24, João Vitor Santos de Souza, que no dia 10 de março começa a realizar seu sonho de cursar Medicina na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, certamente é o que se pode chamar de exemplo de dedicação e persistência.
Morador do bairro Zé Pereira, na periferia oeste de Campo Grande, concluiu o ensino médio em 2016, na escola estadual conhecida como ADA, na Avenida Júlio de Castilhos. De família simples, sempre teve que trabalhar para se manter e ajudar no sustento da família.
Dentre as muitas atividades que desempenhou, faz questão de destacar que desde criança capinava lotes para juntar algum dinheiro, principalmente na época de Páscoa, quando ele e um primo queriam comprar ovos de chocolate.
Mas, mesmo depois de “marmanjo”, com mais de 20 anos, capinar lotes foi sempre uma alternativa que ele diz ter usado em períodos nos quais estava apertado e precisava de algum dinheiro para conseguir manter o foco e dar prioridade aos estudos.
“Eu estudava de madrugada, atravessava a cidade de bicicleta e por isso chegava cansado no trabalho. Acho que por conta disso não tinha um bom desempenho”, avalia ele ao falar sobre a demissão depois de um período de 11 meses em que conseguiu se manter como estoquista em uma loja de revenda de peças para máquinas agrícolas. Neste período, lembra, almoçava rápido e aproveitava o intervalo para estudar.
Além de capinar lotes, João Vitor também trabalhou durante muito tempo como vendedor em feiras-livres, atuou como pintor de paredes, atendente em conveniências e, entre outras atividades, fez bico em lava-jato.
Mas uma destas atividades ele revela que tem sabor especial e orgulho ainda maior. Ele se refere às “noitadas” trabalhando como garçom. Em dezembro do ano passado, por exemplo, semanas antes de sair o resultado do vestibular, foi garçom na festa de formatura de uma turma de Medicina.
João Vitor trabalhando como garçom na formatura de turma de Medicina
Ainda adolescente, quando já tinha o sonho de ser médico, trabalhou durante dois anos, como integrante do Instituto Mirim, na sede da Delegacia Geral da Polícia Civil (DGPC), no Parque dos Poderes.
PAIS EXEMPLARES
Filho de uma auxiliar de serviços gerais que atua em uma empresa que faz a manutenção de prédios no Parque dos Poderes e de um pai que aos 45 anos cursou enfermagem (pelo FIES) e que hoje ganha a vida como cuidador de idosos, João Vitor faz questão de enfatizar que estes inúmeros trabalhos nunca lhe tiraram a certeza de que cedo ou tarde conseguiria uma vaga em Medicina em uma universidade pública em Campo Grande.
E esta conquista veio oito anos depois de concluir o ensino médio. Nunca teve condições de fazer cursinho. Por isso, estudou sozinho, com mais dedicação nos últimos seis anos. Além de receber material de amigos e pessoas que conheciam sua determinação, lembra que um livro de Física que pegou em uma prateleira em um terminal de ônibus foi fundamental para chegar onde chegou.
Além disso, faz questão de citar a plataforma Aprovatotal, pela qual pagava, em média, R$ 35,00 por mês para ter acesso aos conteúdos oferecidos pelo educador conhecido como Jubilu, um professor de Biologia com 3,7 milhões de inscritos no Youtube. Nos 1,2 mil vídeos publicados, tem 627 milhões de visualizações. Uma parcela ínfima destes ecessos foram de João Vitor.
Embora seja dedicado, João Vitor nunca foi daqueles que podem ser classificados como nerd ou CDF. Sua meta era estudar pelo menos cinco horas por dia. Na prática, porém, estudava somente duas a três horas diariamente.
Nos fins de semana, tinha ajuda da namorada, uma jovem que também é procedente de escola pública, conseguiu concluir Direito na UFMS, trabalha na Procuradoria-Geral do Estado e que promete só parar de estudar quando for aprovada em concurso para ser defensora pública.
Quando não estava trabalhando ou estudando, só se dava ao “luxo” de jogar futebol e frequentar academia rotineiramente. “Nunca fui de sair muito”, diz.
Seu ponto fraco sempre foi a Matemática e por isso sempre soube que tinha poucas chances de ser aprovado pelo Enem. Por isso comemorou o retorno do vestibular na UFMS, onde conseguiu uma das sete vagas destinas a negros e egressos de escolas públicas de famílias com baixa renda.
E, mesmo que conseguisse vaga em alguma universidade fora de Campo Grande, dificilmente conseguiria se manter em outra cidade. Agora, mesmo morando na casa dos pais, já está em busca de bolsa de estudos para conseguir se manter ao longo dos seis anos em que deve durar o curso.
Adepto de muita leitura, só foi aprovado, acredita ele, por conta do bom desempenho em redação. Enquanto a maioria conseguiu em torno de 650 pontos, obteve 800 dos avaliadores da Fapec, conhecidos pelo rigor na correção dos textos.
Inicialmente a reportagem entrou em contato com a mãe de João Vitor, a faxineira Meire Santos, que nas redes sociais comemorou a aprovação do filho. “Não posso falar agora. Estou ocupada demais. Mas não é comigo que você deve falar, o mérito é todo dele”, limitou-se a afirmar a orgulhosa mãe, como se o exemplo dela e do marido não tivessem sido fundamentais para a conquista do jovem negro do Zé Pereira.
O resultado do vestibular saiu no dia 28 de janeiro e antes de efetivar a matrícula, João Vitor teve de passar por uma série de avaliações para atestar que tem direito a uma das vagas oferecidas aos cotistas. Nesta quinta-feira, porém, todas as etapas estavam cumpridas e agora se prepara para o primeiro dia na universidade pública, 10 de março.